É preciso espírito crítico para separar o joio da deseducação do trigo da informação no caminho positivo. Caso contrário, pode prevalecer o joio deseducador, que semeia o caos e a desagregação.
Por Patrícia Blanco, presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta
Há nove anos, quando fui convidada para ajudar na criação do Palavra Aberta, muitos me perguntavam se era mesmo preciso uma entidade de propósito específico como o instituto. Minha resposta foi sempre a mesma: a defesa da liberdade de expressão era uma luta cotidiana, pois todos os dias surgiam novos desafios e questionamentos a esse direito tão fundamental para a democracia.
Depois de quase uma década, os desafios se transformaram e se tornaram ainda mais complexos. Hoje, a luta não é mais pela conquista do direito à liberdade de expressão. Passa também pela preservação e utilização correta desse direito.
Novos atributos são exigidos dos cidadãos, e educar a sociedade para o consumo de informação passou a ser uma prioridade. Formar leitores aptos a diferenciar conteúdos, a identificar gêneros textuais, a separar fato de opinião e, claro, a questionar a informação que recebe é o grande desafio do momento. E vai além, passa por formar cidadãos mais conscientes e responsáveis, aptos a serem consumidores e produtores de conteúdo.
A educação midiática, termo ainda pouco difundido no Brasil, parece condensar as tendências da educação para crianças e adolescentes nesta primeira metade do século XXI. Significa ensinar a ler, a analisar e a produzir mensagens em tempos de excesso de informação e escassez de compreensão.
A mídia, qualquer que seja sua versão, tornou-se onipresente. É avassaladora, a começar pela influência que exerce na vida de crianças e adolescentes, desde a primeira infância. Mas o aspecto deseducador não está na onipresença, e sim na miscelânea de informações das quais somos alvo: ao entretenimento e às mensagens comerciais, políticas e ideológicas, somam-se as fake news, mensagens de ódio, de intolerância, de violência, enfim, as muitas faces da sociedade, não necessariamente saudáveis, que podem incentivar desde o bullying até distúrbios alimentares, até a baixa autoestima e a violência.
É preciso espírito crítico para separar o joio da deseducação do trigo da informação no caminho positivo. Caso contrário, pode prevalecer o joio deseducador, que semeia o caos e a desagregação.
Países como os Estados Unidos, o Canadá e a Inglaterra há décadas despertaram para essa realidade. E o Brasil deu sinais positivos nesse sentido. A inclusão do “campo jornalístico-midiático” na Base Nacional Comum Curricular do ensino fundamental, aprovada no final de 2018, reforça a importância do tema.
Os desafios são imensos, é preciso disseminar o conceito, unificar o termo, formar professores. Passa também pelo convencimento da importância de adotar a educação midiática em sala de aula. Sem contar o desafio imposto pelas dimensões brasileiras e pela diversidade de agentes envolvidos.
É como diz uma das maiores especialistas no tema, a professora americana Renee Hobbs: “O resultado da educação midiática será sentido no final do ciclo de formação do aluno, um processo que dura em torno de dez anos. Isso só reforça a importância de começarmos a falar sobre isso imediatamente. Não podemos esperar mais”.
A união de esforços em torno do tema é fundamental. Mobilizar os agentes envolvidos, começando pelos professores, passando pelos formuladores de políticas públicas, pais, alunos, membros da academia e sociedade em geral, é condição para implantar o processo de educação midiática nas escolas e, com isso, levar crianças e adolescentes a lerem as notícias criticamente.
Esse processo educacional fortalece a liberdade de imprensa, pois abre as portas para uma melhor compreensão do que vem a ser, por exemplo, uma informação baseada em fatos e o que é pura ficção. Isso interessa a todo cidadão, pois equivale a um processo de redescoberta do genuíno papel da imprensa.
A educação midiática é, sem dúvida, o caminho seguro para superarmos a onda avassaladora de desinformação que nos atinge. Não será a solução de todos os problemas pelos quais a mídia passa, mas será uma boa oportunidade de formar cidadãos conscientes e aptos a exercer a liberdade de forma responsável e segura. Uma grande contribuição para o fortalecimento de uma sociedade mais democrática e participativa.
Fonte: Observatório da Imprensa