Pesquisa feita em parceria por UFMG e MIT revela que medidas adotadas até agora pelo aplicativo não são suficientes para impedir a propagação de notícias falsas na rede
Por Géssica Brandino
A disseminação de notícias falsas via WhatsApp se tornou um dos principais assuntos das eleições presidenciais no Brasil de 2018. Antes do segundo turno, o jornal Folha de S.Paulo revelou que empresários ligados ao então candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, eram suspeitos de disparar mensagens em massa contra o candidato do PT, Fernando Haddad.
Um ano depois, em 4 de outubro de 2019, o gerente de políticas públicas e eleições globais do WhatsApp, Ben Supple, admitiu pela primeira vez que disparos em massa ocorreram. Além de questões ligadas ao uso indevido da tecnologia na eleição, o caso levantou suspeitas de caixa dois, uma vez que os gastos empresariais a favor de Bolsonaro não foram registrados na Justiça Eleitoral, como manda a lei.
“Na eleição brasileira do ano passado houve a atuação de empresas fornecedoras de envios maciços de mensagens, que violaram nossos termos de uso para atingir um grande número de pessoas”
(Ben Supple, gerente de políticas públicas e eleições globais do WhatsApp em palestra no Festival Gabo, no dia 4 de outubro de 2019)
O professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais Fabrício Benevenuto disse ao Nexo que a declaração do gerente do WhatsApp não surpreende. O pesquisador coordena o projeto monitor de WhatsApp, criado na universidade para analisar o conteúdo difundido em mais de 300 grupos públicos do aplicativo no país durante o período eleitoral de 2018. As informações são compartilhadas com redações de jornais.
O trabalho não identificava quem fazia o compartilhamento das mensagens, mas o professor destaca que por meio da análise era possível observar um movimento orquestrado na propagação de conteúdos.
No dia 17 de outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turno das eleições brasileiras, Benevenuto publicou um artigo no The New York Times, em conjunto com a diretora da Agência Lupa, Cristina Tardáguila, e o professor da USP Pablo Ortellado, que trazia um alerta sobre as notícias falsas disseminadas via WhatsApp.
Para enfrentar o problema, eles pediram que fossem implementadas medidas no sistema de transmissão por lista, em que o usuário pode enviar um conteúdo para outros 256 contatos, no encaminhamento, pelo qual era possível repassar o conteúdo para 20 contatos, e na criação de novos grupos no aplicativo durante o período eleitoral.
Passadas as eleições, vencidas por Bolsonaro, o WhatsApp limitou, em janeiro de 2019, o encaminhamento de mensagens na rede para cinco usuários por vez. Para testar a efetividade da medida, os professores da universidade mineira, em conjunto com o Instituto de Dados, Sociedade e Sistema do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), dos EUA, fizeram uma série de simulações.
Uma das conclusões dos pesquisadores é que a restrição ao encaminhamento de mensagens, embora atrase a propagação do conteúdo, não é suficiente para impedir que um conteúdo viral se propague via WhatsApp.
Ao Estadão, a assessoria de imprensa do WhatsApp, que pertence ao Facebook, destacou a redução de velocidade na propagação dos conteúdos e afirmou que a rede social está comprometida a enfrentar a questão, apesar de reconhecer que “não há uma ação única que resolva os desafios complexos que contribuem para desinformação”.
Como o estudo foi feito
Os pesquisadores monitoraram grupos públicos de WhatsApp no Brasil, Índia e Indonésia que se dedicavam a discussões políticas. Esse acompanhamento começou 60 dias antes das eleições e continuou até 15 dias depois do pleito de cada um dos países.
Os grupos públicos são aqueles em que o acesso é possível por meio de links, diferentemente dos grupos privados, em que é preciso ser adicionado por um dos membros.
A partir do conteúdo obtido, foram criadas simulações com a estrutura de comunicação das redes de grupos que tinham usuários em comum. Na Índia, por exemplo, os pesquisadores descobriram que havia usuários que participavam de 300 grupos ou mais.
A capacidade de propagação de conteúdo no aplicativo foi observada pelo compartilhamento de imagens. Na amostra, foram analisadas 103.031 imagens de grupos públicos no Brasil, 44.731 na Índia e 2.384 na Indonésia. Essas imagens não eram necessariamente falsas.
Para medir a viralização dos conteúdos, foi adotado um modelo epidemiológico que indicava se o usuário estava suscetível, exposto ou infectado pela imagem na plataforma. O usuário era considerado infectado se repassasse o conteúdo para outros grupos, por meio de encaminhamento ou envio direto, o que foi possível mapear pela identificação de códigos das imagens.
Os pesquisadores adotaram um parâmetro para observar se a restrição do encaminhamento feita pelo WhatsApp tinha efeito no grau de infecção entre usuários.
Os testes feitos com a estrutura mostraram que a transmissão de um conteúdo, seja pelo encaminhamento ou pela transmissão por listas, está associada ao potencial de viralização da mensagem.
Quanto mais viral, menor o impacto na restrição de compartilhamento. Se o conteúdo for pouco viral, é possível atrasar a sua difusão. Em vez de se espalhar pela rede em apenas cinco dias, esse tempo passa para 50.
Como o conteúdo se propaga
Os pesquisadores observaram que a taxa de usuários expostos ao conteúdo cresce rapidamente, apesar do limite de encaminhamento. Isso ocorre por causa das fortes conexões entre os grupos, uma vez que um mesmo usuário está presente em vários deles. O tamanho dos grupos não é especificado na primeira versão do artigo, mas segundo Benevenuto eles contam com dezenas de usuários.
O alto potencial de agrupamento, a conexão entre grupos e o curto caminho para a propagação de mensagens são características que o WhatsApp tem em comum com outras redes sociais. No aplicativo, entretanto, essa conexão se mostra ainda mais forte.
As simulações feitas pelos pesquisadores mostram que o período de propagação no aplicativo é curto: 80% das imagens foram compartilhadas num intervalo de até dois dias. Entretanto, nos grupos do Brasil e da Índia algumas imagens continuaram a aparecer dois meses após o primeiro registro.
A velocidade de propagação das notícias na Índia era mais rápida, com 50% dos compartilhamentos feitos em intervalos de até 10 minutos. No Brasil e na Indonésia isso só ocorreu em 20% dos compartilhamentos. Além de ter grupos maiores, com mais de 300 membros (enquanto os brasileiros têm limite de 256), os pesquisadores observaram que na Índia essa velocidade é influenciada pela automatização do envio de mensagens.
Os pesquisadores também observaram que 80% das imagens foram enviadas uma única vez em um grupo, sem ser repassada pelos usuários. Por outro lado, imagens muito populares foram compartilhadas mais de 100 vezes em diversos grupos, o que na análise dos pesquisadores evidencia que o WhatsApp pode ser usado como meio de comunicação de massa com potencial de viralizar conteúdos.
Benevenuto afirma que o paradoxo do WhatsApp é que ao mesmo tempo em que o aplicativo busca assegurar a segurança dos usuários ao criptografar conversas, ele permite que conteúdos se espalhem com poucas limitações, o que faz com que o caráter privado do aplicativo se perca.
Em todos os três países, com base na simulação do estudo, os pesquisadores chegaram à conclusão de que um conteúdo infeccioso que dura 100 interações ou mais tem poder suficiente para chegar a mais da metade da população total de usuários do WhatsApp. Se esse conteúdo continuar na rede por pelo menos 150 interações, quase 100% dos usuários poderão ser infectados, o que significa que terão passado o conteúdo adiante.
Desinformação em grupos públicos e comunicação massiva
O estudo aponta os grupos públicos como a espinha-dorsal para a proliferação de informações falsas na rede. Isso ocorre tanto pela presença de ativistas políticos, preocupados em difundir conteúdos favoráveis a seus candidatos, quanto pela concentração de informações falsas e ferramentas de automatização para envio de conteúdos.
“As pessoas se comportam nesses grupos não olhando se [a informação] faz sentido, mas pelo apoio ao candidato. A informação que cai nesses grupos vai embora, esse pessoal passa para outros grupos em que estão inseridos”, disse.
Uma das medidas sugeridas pelos pesquisadores para amenizar a propagação de desinformação é estabelecer uma quarentena para usuários que violarem as regras de uso do aplicativo, por exemplo, com bloqueio para quem espalhar conteúdo falso. Assim como foi feito com o recurso de encaminhamento, Benevenuto destaca ainda a necessidade de estabelecer limites para as listas de transmissão no aplicativo, que seguem permitindo o envio de mensagens para 256 contatos.
Para ele, a grande questão para o WhatsApp é como fazer as mudanças na plataforma sem afetar a privacidade dos clientes e perder espaço no mercado.
Fonte: Nexo